quarta-feira, 2 de março de 2011

O mundo invisível das coisas e pessoas


É curioso como existem pequenas coisas com as quais a gente convive e não se dá conta por muito tempo de que existem, ou melhor, só se dá conta quando alguma coisa sai da rotina, incomoda, precisa de uma atenção especial. Uma delas, por exemplo, são os garis. Tudo bem, já são clichês as reportagens que mostram um ator que se veste de gari e passa despercebido em meio aos que circulam. Mas não precisamos ir muito longe para encontrar um desses seres "invisíveis". Quem mora ou já morou em apartamento, tem algum vizinho, porteiro, funcionário da limpeza que recebe um eventual cumprimento, um "ôôôpp", um "bom dia", etc. O fato é que esses comprimentos saem quase que automaticamente em resposta a uma passada rápida de olho e como uma forma de prevenção contra o rótulo de morador mal-educado.

Da mesma forma, quem tem ou já teve alguma planta com flor em casa não dá bola quando algum inseto vem dar uma bandinha ali por dentro. Mas "ai dela se cair na minha cerveja", outras já tem alergia só de imaginar a picada. Formiga só incomoda quando começa a vir nos farelos que sobram em casa. Porteiro só merece atenção especial quando nos chama para entregar a correspondência ou dar algum aviso. Gari só merece atenção se quase tocou a vassoura sobre a gente.

Percebi há 2 meses como era importante eu ter 2 pernas que funcionassem quando rompi os ligamentos do tornozelo direito e fraturei um pedaço do maléolo. Fiquei de muletas e gesso por 1 mês, mas bastou o primeiro dia para que todo o mundo que me cercava assumir uma conotação totalmente diferente. Nunca em outro período eu tinha notado tanto as pessoas que tinham algum problema quanto nesse mês. Começei a ter acesso preferencial em alguns lugares e sentir como a falta de um lugar adaptado ao deficiente físico é uma negação aos direitos fundamentais do cidadão. Os velhinhos, as pessoas com dores, muitas vinham me cumprimentar para desejar uma rápida recuperação e compartilhar que "sabiam como era difícil". Infelizmente, tive que "sentir na pele" pra notar coisas como essas que até então faziam parte do mundo invisível das coisas e pessoas (aquele mesmo onde ficam esquecidos os guarda-chuvas). Tomar banho hoje em dia tem uma sensação especial, não precisa ser em uma perna só e com a outra perna ensacada em um saco de lixo para não molhar o gesso. Enfim, estou aproveitando dessa nova percepção do mundo ao máximo, até que as coisas e pessoas voltem a se tornar paulatinamente invisíveis novamente. Minha vontade de retornar a correr as rústicas já está no limite. Mas o limite é sempre ampliado quando a prudência avisa pra minha paciência ficar tranquila.

A verdade é que a rotina transforma as pessoas e coisas em meros coadjuvantes do nosso dia-a-dia. Acorda-se no automático, come-se no automático, os próprios dias são secundários a nossa rotina, de forma que vários dias se passam até que a gente perceba quanto tempo se passou, "nossa como passa voando".

O problema é que as pessoas e coisas com que convivemos tem muita coisa interessante pra contar. Duvida? Então experimenta tirar 5 minutos do teu atarefado dia pra bater um papo com o porteiro, ou ver como é que as formigas se comunicam com as antenas, que tem algumas que são meras transportadoras do farelo do teu pão da manhã, que assim como o gari, o caixa do supermercado, o porteiro, são operárias invisíveis que fazem parte do teu mundo. Experimenta sair de casa disposto a prestar atenção em outras coisas que não os problemas que tu vais ter que enfrentar, disposto a dar mais atenção a tantas pessoas que te cercam e que tu não fazes idéia de que elas também tem uma casa, tem que pagar contas e também tem formigas na cozinha.

Talvez as previsões de Aldous Huxley em "Admirável Mundo Novo (1932)" não estejam tão erradas quando pensou em uma sociedade condicionada. Se as máquinas um dia substituirão o homem não sei, mas que os homens não medem esforço para viver no automático isso já não me resta dúvida.

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